Análise do comportamento
Sistematizada por B.F. Skinner, a análise do comportamento se interessa no por que os organismos se comportam da maneira como o fazem, ou seja, as causas do comportamento humano partir da análise de quaisquer condições ou eventos que tenham algum efeito demonstrável sobre o comportamento (SKINNER, 2003). Ainda segundo ele, as variáveis que controlam e determinam o comportamento dos organismos estão fora do organismo, em seu ambiente imediato e em seu passado, sua história ambiental.
Caminhando na esteira da seleção natural, Skinner (2003), elaborou um modelo de seleção pelas consequências, em que respostas que produzem reforço (alimento, contato sexual, aceitação do grupo, aplausos, eliminação de ameaças, etc.) são selecionadas e sobrevivem compondo o repertório do indivíduo. São três mecanismos de seleção: filogenético: a evolução ao longo da história biológica, de determinadas populações de organismos e suas características; ontogenético: em que o comportamento é modelado por suas consequências durante a vida de um único organismo e cultural: padrões de comportamento de grupos que sobrevivem à medida que são transmitidos para outros indivíduos (CATANIA, 1999). Assim, a análise do comportamento, com forte compromisso científico, consegue explicar uma variedade de comportamentos humanos, inclusive propor soluções (tecnologia) para lidar com problemas surgidos na interação do indivíduo com o seu meio.
Uma ferramenta de análise do comportamento pode ser descrita a partir de três termos, apesar de não se restringir a eles, a saber:
Contexto antecedente A ocasião anterior à uma dada resposta do organismo, composto historicamente de estímulos que adquiriram função ao longo da história de contingências do organismo
Resposta A emissão da resposta do organismo, o que de fato faz (ações motoras, sons (fala), pensamentos e sentimentos.
Consequência O que se segue à resposta e é produzida por ela (ou não) podendo aumentar a probabilidade da resposta ser emitida em contextos antecedentes similares (reforço positivo, negativo) ou diminuir a probabilidade (punição positiva ou negativa).
Por se tratar histórica, a análise do comportamento define um organismo enquanto pessoa como a soma dos efeitos que atuaram sobre o organismo no passado, compondo o seu repertório, assim, o comportamento que a pessoa emite no contexto atual, interage tanto com as contingências em operação, quanto com os efeitos passados (CHIESA, 2006). O passado se atualiza e permanece vivo na função dos estímulos e respostas analisados contextualmente, na tríplice contingência. O contexto da análise do comportamento é histórico e atual, portanto, o comportamento não é tal como uma foto, mas sim um filme, é fluido!
Algumas definições básicas da análise do comportamento serão úteis para a análise do comportamento do personagem Arthur Fleck, o Coringa.
- Reforço = um resultado que ocorre após o comportamento, que é produzido por este (ou não) e que aumenta a probabilidade de comportamentos semelhantes no futuro, em contextos antecedentes ao da ocorrência e reforçamento da resposta em situações similares anteriores. Pode ser positivo (acréscimo de algo no ambiente) ou negativo (retirada de algum estímulo do ambiente)
- Punição = um resultado que ocorre após o comportamento, que é produzido por este (ou não) e que diminui a probabilidade de comportamentos semelhantes no futuro, em contextos antecedentes semelhantes ao da ocorrência e punição da resposta anteriormente. Pode ser positiva (acréscimo de aversivo no ambiente) ou negativa (retirada de algum reforçador do ambiente)
- Antecedente: algo que ocorre antes do comportamento (ocasião), pode sinalizar reforço ou punição, se determinada resposta for emitida.
- Resposta: o comportamento emitido pela pessoa (ações motoras, verbais, verbais encobertos – pensamentos, emoções, sentimentos)
- Consequência: o que ocorre após a resposta e age diretamente sobre ela. Afeta a probabilidade da resposta em contextos antecedentes semelhantes ao que a resposta foi emitida anteriormente.
O filme JOKER (Coringa – no Brasil), categorizado como drama, foi lançado em 2019, sob direção de Tood Philips, distribuído pela Warner Bros. O longa conta a história de Arthur Fleck, típico cidadão americano, da cidade fictícia de Gotham, que trabalha como palhaço de propaganda e precisa comparecer à uma agente social semanalmente, devido aos seus problemas mentais. Após sua demissão, Fleck sofre críticas e gozação de jovens em um metrô da cidade e os assassina ali mesmo. Os assassinatos desencadeiam uma série de movimentos populares contra e elite de Gotham City, da qual Thomas Wyane (pai de Bruce Wayne, ainda criança, futuro Batman), é seu maior representante. Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-258374/
O longa descreve as contingências pelas quais Arthur Fleck esteve exposto ao longo da vida e que moldaram, modelaram o repertório comportamental do personagem Coringa. Vamos detalhar algumas dessas contingências a seguir, através de imagens recortadas do filme. Convém destacar que essa análise não aprofundou nas questões neurológicas do personagem, que certamente, e que por se tratar de um organismo não intacto, tem interferência direta nos seus comportamentos.
Gotham City – 1981
Notícias na rádio de Gotham
Radialista:
- “O secretário da saúde decretou estado de emergência”
- “Os bairros mais chiques da cidade estão parecendo favelas”
- “Está afetando todo mundo da cidade, não importa onde você está”
Depoimento de um cidadão: “O cheiro é ruim, é péssimo. Estou nesse país há 50 anos e nunca vi nada igual”
Noticiário no jornal: “Finalmente hoje, quando pensávamos que não poderia piorar, as autoridades informam que a cidade está cercada por incontáveis ratos, e não só ratos, mas super ratos, difíceis de matar… greve do lixo”.
“Nós vivemos em um mundo coercitivo, bombardeados por sinais de perigo e ameaças” (SIDMAN, 2003, p. 33). Gotham parece ser o cenário perfeito para descrição de um mundo coercitivo, aversivo, tal como uma savana africana, o homo sapiens parece ser a vítima por excelência, porém, também predador. Cheiros, odores, carros, armas, poluição, violência, pessoas! Tudo em Gotham parece construir o obstáculo ao sentimento de liberdade dos seus cidadãos, as pessoas não podem sentirem-se livres quando ameaçadas, ou seja, quando seu comportamento tem como fonte de controle, consequências punitivas, aversivas (BAUM, 2006).
Diálogo entre Arthur e a Assistente Social
Ela: A tensão tá grande, o povo sente um desconforto, tá lutando, procurando emprego, são tempos difíceis. Mas e você, continua escrevendo seu diário?
Ele: Sim senhora.
Ela: Trouxe hoje? Arthur, da última vez eu te pedi para trazer o diário para essas consultas. Posso ver?
Ele: Eu tenho usado como diário e como caderno de piadas, pensamentos que tem graça, observações, acho que te contei que estou tentando uma carreira no stand up comedy.
Ela: Não contou não. (Punição positiva, demonstra insensibilidade com o que é importante para ele, quebra o vínculo).
Ele: Contei sim.
Ela lê: “Só espero que minha morte faça mais centavos (sentido) do que minha vida”.
Ela devolve o diário. (Punição, demonstra descaso, expressão de desaprovação, poderia ter aproveitado o material – SD – e explorado para direcionar o diálogo, talvez controlasse melhor as respostas de Arthur, poderia garantir tatos puros sobre seus sentimentos e sobre as condições antecedentes do seu estado sentimental).
Ela: Acha que vir aqui é positivo? Ajuda ter alguém para conversar?
Ele: Me sentia melhor quando tava preso no sanatório. Ela: E você refletiu mais sobre por que estava preso lá? (Pergunta equivocada, a pergunta talvez seria: Por que se sentia melhor lá? Ou, por que não se sente melhor aqui fora? Buscando no ambiente aversivos e demais variáveis que refletem este estado de Arthur, tateado por ele).
O diálogo continua…
Ele: Eu não sei não. Será que pode pedir para o médico aumentar minha medicação?
Ela: Arthur você está tomando 7 diferentes medicações. Com certeza estão fazendo algum efeito. (Ela novamente pune o comportamento dele, demonstrando que o pedido dele não fazia sentido, mas ele pediu, afinal de contas, como ela iria considerar o seu pedido, sem atendê-lo, mas sem puni-lo? Somente se a relação entre os dois fosse reforçadora para ambos).
Ele: Eu só não quero me sentir tão mal. (Ele quer se esquivar ou fugir dos sentimentos que experimenta, quer sentir-se um pouco melhor. Os sentimentos não são de interesse da cultura, no sentido de que eles sejam expressos, na verdade, é interesse da cultura limitar a expressão da vida afetiva, o que causa, inevitavelmente causar problemas nas relações íntimas (KOHLENBERG, R.; TSAI, 1991). A Assistente Social, enquanto agente da cultura, cumpriu bem o seu papel, não oferecendo SD’s para o tatear de sentimentos de Arthur). “Fim do diálogo”
Diálogo
Ele: Eu não tava perturbando eu…
Ela: Eu mandei parar.
Ele: Começa a rir. (FUGA-ESQUIVA, sob controle do ambiente e uma condição médica, que pode ter como estímulo o embaraço e o estresse do evento social vivenciado)
Ela: O que é, você acha graça? (Ela analisa a topografia da resposta, pois não tem acesso à história de Arthur)
Ele: Desculpe é que eu tenho uma… Entrega o cartão em que descreve o motivo médico da sua risada. (Tentativa de oferecer um SD para a mulher, amenizando assim as suas punições, comportamento de FUGA-ESQUIVA)
Ela: Pega o cartão e lê.
Ele: Rindo descontroladamente, pede desculpa.
Ela: Se vira e o ignora. (Punição, pois retira a atenção, sequer devolve o cartão para ele).
Exemplo de Interação positiva com a mãe? Não vamos nos ater ao fenótipo!
Mãe: Você precisa comer, olha como tá magro.
Antecedente: Programa de TV. Mãe: Senta aqui, vai começar.
Comportamento: Legal mãe! (Se deita ao lado da mãe, para ver o programa de humor do Murray Franklin; delírio e alucinação?). Interação com Franklin no palco da imaginação.
Ele conversando com o apresentador: “Eu cuido bem da minha mãe… Ela disse que eu vim ao mundo para trazer alegria e riso”. Fantasia Murray Franklin como alguém acolhedor, amável.
Franklin diz: “Abriria mão de tudo isso aí para ter um filho igual a você”. (Reforço positivo, afeto, acolhimento, elogios! O palco da imaginação é equivalente a distância da realidade. Lá ele não é punido, pode ser ele mesmo, na verdade, é reforçado por isso. espontaneidade, verdade, alegria, dor).
NO TRABALHO… dia seguinte após ser agredido
Antecedente – “Amigo” do trabalho lhe diz: “Soube da surra que levou ontem… Tem que se proteger lá fora, se não você tá fodido”.
Resposta de Arthur: Eu Não posso ter uma arma.
Consequência – “Amigo” lhe diz: Não esquenta Art, ninguém precisa saber, pode me pagar quando puder, você sabe que é meu garoto. (Será que ele realmente estava preocupado com Arthur? Qual a real função deste comportamento do “amigo”? Mais uma lição, a função é mais importante do que a imagem. Uma função vale mais que mil imagens!)
Diálogo com o chefe, que diz que Arthur sumiu do trabalho no dia de ontem, sem nem devolver o cartaz, não acredita na história de Arthur que roubaram o seu cartaz. Chefe: “Se não devolver o cartaz, vou descontar no seu salário”. (Punição positiva, chefe faz críticas, o ameaça, não acredita nele, o humilha, não escuta a sua versão, injustiça!).
Chefe: “E digo mais, os outros caras não ficam à vontade perto de você”. (Sinaliza para Arthur que ele não é querido pelos colegas de trabalho, que ele é um estímulo a ser evitado. Como Arthur se sentiu ao ouvir isso? Como nos sentimos quando sabemos que não somos desejados? Que não somos queridos em determinado ambiente? Que preferem que estejamos longe?)
Amor? Uma contingência que não sabemos como foi de fato! Ela sorri, reforça positivamente o seu comportamento de simular um tiro na cabeça, reforça a sua atuação. Isso poderia ter mudado o rumo das coisas? Gradativamente, Arthur parece ir perdendo contato com contingências reforçadoras e se afundando em aversividade, perde o contato consigo mesmo, na verdade: “… nós, da cultura ocidental, perdemos contato mas não com que há de mais profundo em nós mesmos, perdemos contato com aquilo que de fato está fora de nós.” (KOHLENBERG, R.; TSAI, M, p. 225, 1991). Como de fato, Arthur poderia preferir entrar em contato com contingências aversivas tais como as de sua vida? Isso seria mais realidade, mais dor, mais sofrimento, talvez com ajuda, ele conseguisse…
Thomas Wayne e a mãe de ArthurAs falas esperançosas da mãe a respeito de uma possível ajuda Thomas Wayne, sobre ele ser prefeito de Gotham e o único que pode salvar a cidade, criam uma operação estabelecedora, em que Arthur valoriza-o como uma pessoa que de fato irá mudar a vida dele e das pessoas da cidade, mas a rejeição e a indiferença de Thomas ao longo da trama prevalecem (Punição), a mãe estava errada, talvez Arthur pensasse: “Ele pode, ele deve, não faz porque não quer”, talvez desenvolvesse uma autoregra: “As pessoas são ruins, por excelência”.
Arthur quer ser comediante. Punição da mãe: “Mas Feliz, não precisa ter graça para ser comediante?”
Livro de piada
Jokes: “A pior parte de ter uma doença mental, é que esperam que você se comporte como se não tivesse”.
“Se você está contente bata o pé”
Presente de grego. A arma que o “amigo” lhe deu, foi o início de um trágico fim para sua carreira de comediante e de sua motivação para continuar algo que gostava (Fim da fonte de reforços).
Arthur inocentemente, ingenuamente, sem discriminar as contingências em operação, leva a arma para uma apresentação no hospital, com crianças. Não consegue discriminar ocasiões e suas sutilezas para emitir comportamentos adequados.
Consequência: é punido, criticado novamente pelo chefe: “Qual é o palhaço que usa uma porra de uma arma?” O “amigo” ainda disse que ele tentou comprar uma arma dele, semana passada… Punição negativa do chefe: “Tá despedido”.
Desenvolvimento de possível autoregra: “Pessoas não são confiáveis”.
Mais uma contingência aversiva…
Antecedente: no trem, indo para casa, rapazes conversando e uma moça. Os rapazes começam a incomodar a moça.
Resposta: risos descontrolados.
Consequência: Rapaz diz: “Tá achando graça babacão?” (punição positiva). A mulher sai de cena (reforço negativo). (Através do riso, ele “salva” a mulher, porém… Chama a atenção dos rapazes).
Antecedente: os rapazes se dirigem até ele, cantando.
Resposta: mostrar o papel, descrevendo sua condição médica.
Consequência: Os rapazes o punem, pegam sua sacola e batem nele (Punição física e social!).
Diante desse “agora” antecedente (ser surrado pelos rapazes), Arthur reage, atirando neles, matando-os. Reforço negativo (eliminação do aversivo: os outros). Arthur começa a aprender que se livrar dos aversivos, pode ser um bom caminho para tentar “Viver em paz”. Desenvolvimento de respostas altamente eficazes! Possível desenvolvimento de autoregra: “Ser um Coringa, pode ser uma saída melhor!”
O comportamento do Arthur foi sendo modelado, tal como uma massa de argila, as contingências esculpem então, o repertório do Palhaço! Os comportamentos de Arthur vão gradativamente, entrando em extinção.
A cidade reforça com cartazes que poderiam ser punitivos, pois estavam procurando-o para prendê-lo, mas… aparentar ser punitivo, não significa que o é… a função é reforçadora para Arthur, afinal de contas, o estão enxergando!
Coringa vai à Assistente Social, ou… o que sobrou do Arthur Fleck…
Durante a fala do Coringa, digo, Arthur, a Assistente social ignora o que ele estava dizendo (punição negativa) Ele: “Acho até que nunca me escuta, faz as mesmas perguntas toda semana, ‘como vai seu trabalho? Tá tendo pensamentos negativos?’ Eu só tenho pensamentos negativos, mas você não escuta, nunca escuta, eu disse que durante toda a minha vida, eu nem sabia se existia de verdade, mas eu existo, mas eu existo, e as pessoas estão começando a perceber”. (Ou seja, como Coringa, se comportando como tal, ele é “percebido”, ele é reforçado, ele existe como Coringa, ele degrada, se degrada, ele vive, ele sente, ele produz!)
“E se por ventura acontecer que a vantagem humana, alguma vez, não apenas pode, mas deve até consistir justamente em que, em certos casos, desejamos para nós mesmos o prejuízo e não a vantagem?” (Dostoiévski, 2009)
Problemas da cidade de Gotham… o terceiro nível de seleção?
Vão fechar o escritório, as verbas do serviço social serão cortadas.
Assistente Social: “Eles tão cagando para pessoas como você Arthur, e eles estão cagando para pessoas como eu também”. (Punição)
Arthur precisa dos seus remédios, mas a assistente social não lhe dá uma resposta para a pergunta sobre como ele vai conseguir os remédios. Ele então fica sem a medicação. Outro fator que contribuiu para o Coringa assumir o controle!
E mais punições para Arthur e reforçadores para o Coringa!
- Os cidadãos de Gotham passam a usar máscara de palhaço. Notícia: “Palhaço de Gotham é um justiceiro” (Reforço Social generalizado)
- A mulher que ele conheceu no elevador, o “Amor?”, diz que acha o palhaço um herói (delírio e alucinação), mas mesmo assim, é um evento reforçador, afinal, é um elogio para o Coringa;
- Leitura da carta da mãe ao Thomas Wayne (punitivo, pois gera sentimentos de revolta, raiva, tristeza, possibilidade de Thomas Wayne ser seu pai – Delírio da mãe, talvez também sentimentos de esperança);
- Rejeição e ameaça do mordomo Alfred, na tentativa de conversar com Thomas Wayne (punição);
- Mãe passa mal, vai para o hospital (punição);
- Comediante que ele admirava, usa a gravação do seu show de forma depreciativa (punição);
- Manifestantes vestidos de palhaço protestam contra os ricos e as condições de vida em Gotham (o Palhaço trouxe esperança!). Reforço social generalizado.
- Rejeição do Thomas Wayne, descoberta da adoção?
- Descoberta do quadro clínico da mãe adotiva e condenação da mesma por colocar em risco a vida do próprio filho, abusos, agressões por parte dos namorados da mãe, trauma severo na cabeça.
“Palhaço para prefeito!”
Um co-terapeuta, acompanhante terapêutico? Ou simplesmente… um amigo, uma relação verdadeira, legítima, um igual, sem máscaras. Poupar a vida dele, talvez foi o último ato de Arthur Fleck.
A construção da “metamorfose ambulante”… As contingências na vida de Arthur foram, em sua maioria, coercitivas, as tentativas de produzir reforçadores e “fazer a coisa certa” (trabalho, gentileza, buscar ajuda, cuidar da mãe, se esforçar para ser comediante), foram frustradas e punidas de diversas maneiras.
Assim, em sua vida as contingências modelaram o repertório comportamental do Coringa, que por outro lado, ao “fazer a coisa errada”, (através de agressões, delírios, alucinações, enfrentamento, ironia e hostilidade), teve este padrão de comportamentos, ao longo da trama, reforçado por uma Gotham decadente, que construiu a imagem de um anti-herói, em oposição aos ricos e a desigualdade gritante da cidade.
“Ambientes em que somos punidos tornam-se eles mesmos punitivos e reagimos a eles como punidores naturais (…) Qualquer um que use choque torna-se um choque.” (SIDMAN, 2003, pp. 101-103). Assim, parece que ao usar choque contra o mundo, Arthur agora na alcunha de Coringa, se tornou, ele mesmo, o choque. Parecia que o natural em Gotham, na vida de Arthur era a punição, a vida assim, por si só, se tornou extremamente aversiva.
A vida enquanto Coringa, parecia uma descida, leve, sem esforço, reforços, doces contingências! Um pulo, dois ou três degraus por vez, tanto faz! Fácil escalada!!!
O palhaço que se comporta…
Sinatra: “Eu já fui um boneco, um indigente, um pirata, um poeta, um peão e um rei
Eu já estive por cima, por baixo, por dentro e por fora, e uma coisa eu sei
Toda vez que me encontro derrotado no chão
Eu sacudo a poeira e volto pra corrida”
“É a vida (é a vida), é o que todos dizem”
Sinatra diz que “a vida é assim”, mas na verdade, ele deveria cantar e indagar:
“A vida deve ser assim?” “A vida pode ser diferente?”
Referências
BAUM, William M. Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução / William M. Baum; tradução Maria Teresa Araujo Silva… [et al.]. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Artmed, 2006.
CATANIA, A. Charles. Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Trad. Deisy das Graças de Souza… [et al.]. 4 ed. – Porto Alegre: Artmed, 1999.
CHIESA, Mecca. Behaviorismo radical: a filosofia e a ciência. Trad. Carlos Eduardo Cameschi. Brasília: Editora Celeiro, 2006.
DOSTOIÉVSKI, Fiodór. Memórias do subsolo. Trad. Boris Schnaiderman , rev. Joroncas – 6ª ed. – Ed. – São Paulo: Editora 34, 2009)
KOHLENBER; Robert J.; TSAI, Mavis. Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. ESETec Editores Associados. Santo André, SP. 1991.
Skinner, B. F. 1904-1990. Ciência e comportamento humano. Trad. João Carlos Todorov, Rodolfo Azzi. – 11ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Biblioteca Universal)
SIDMAN, M. (2003). Coerção e suas implicações. Campinas, SP: Livro Pleno.
Sinatra, Frank. That’life.
Incrível como sempre me surpreendo com seus textos e analises! Parabéns pelo seu trabalho meu amigo, sou grato por poder me desfrutar da sua sabedoria, obrigado.
Abraco!