Leandro Soares Scoralick, 2024.
Geralmente julgamos que temos pleno conhecimento daquilo que nos motiva ou causa as nossas ações. Nossa linguagem é determinada pela nossa comunidade verbal, atribuímos arbitrariamente nossos comportamentos a causas que outras pessoas também arbitrariamente apontaram como causas de seus próprios comportamentos, ignoramos o fato de que todo e qualquer comportamento verbal é tomado de empréstimo, pois é aprendido de outra pessoa (Skinner, 1957). Podemos considerar ainda que muito dos nossos comportamentos não verbais, também são “emprestados” de outras pessoas, seja por condicionamento direto – social, quando o reforço é mediado por outra pessoa ou mesmo por aprendizagem por observação.
Assim, como descrevemos a relação entre um comportamento e suas variáveis é entendido na Análise do Comportamento como especificação ou declaração de uma relação funcional e depois, a sistematização dessas relações é nomeada como análise funcional do comportamento. (KOHLENBER, R.; TSAI, M, p. 6, 1991, grifos do autor). Porém, o problema se inicia quando nossa comunidade verbal, aponta causas imaginárias ou fictícias para nossas ações. Geralmente apontamos de modo imediato que se um evento se segue a outro, tendemos a dizer que o segundo foi causado pelo primeiro e nossa cultura dá especial atenção aos sentimentos, que ocorrem no exato momento para identificarmos como causas do comportamento. (Skinner, 2006).
Quando questionamos a alguém sobre o por que ela não ter realizado determinado comportamento, prontamente a resposta que pode se seguir é “estava desanimado; não tive vontade; fiquei com preguiça”, o problema dessas explicações é que conforme o próprio Skinner (2006) aponta, encerram a discussão e a curiosidade, pois observamos com facilidade os estados emocionais numa determinada situação que logo concluímos que estes estados são de fato os responsáveis pelo comportamento, assim, cessa a investigação.
Perdemos de vista o que poderia nos relevar os determinantes de tal comportamento e juntamente com isso, a chance de alterá-lo, para melhor. Não há dúvidas de que os estados de ânimo podem participar da emissão de respostas, porém, não determinam as respostas, eles afetam sim a nossa flexibilidade e nos deixam mais sensíveis às mudanças ambientais, assim como as emoções também, porém, os estados de ânimo afetam por mais tempo nossas discriminações do que as emoções (EKMAN, p.67, 2011). O que nos faz novamente concluir, que não nos comportamos como gostaríamos, porque de fato, estávamos desanimados.
Constantemente na prática clínica, observamos as pessoas relatarem dificuldades em seguir orientações do terapeuta, manter hábitos saudáveis, rotina mínima e práticas de autocuidado com consistência suficiente para de fato produzirem efeitos positivos em suas vidas. As causas já apontadas colorem o relato das pessoas: “vontade, ânimo ou preguiça” e muitas vezes, a busca da psicoterapia por parte das pessoas, envolve não sentir ou mesmo mudar, trocar esses sentimentos por estados de bem-estar, ânimo absoluto, disposição e vontade inabaláveis, esquecemos, portanto que “comer, assim como sentir emoções, é fato inato, portanto, incontrolável.” (CAMINHA, p. 105, 2019).
Não mudamos emoções, buscamos alterar contingências das quais o comportamento é função, ou seja, o que se busca em uma análise do comportamento, não é alterar sentimentos e estados de ânimo, pois eles inevitavelmente irão ocorrer, mas sim considerar como esse comportamento (sentir, fazer ou pensar) foi selecionado e quais funções ele tem para aquela pessoa em determinados ambientes. Comportamentos e sentimentos são desenvolvidos e determinados por contingências de reforçamento (Guilhardi, 2022), portanto, se quiser compreender o seu desânimo ou preguiça para alguma atividade, perceba a sua relação com as coisas, a história que estabeleceu com as pessoas e como elas o afetou ao longo do tempo.
Explicar o “não fazer algo” pelo desânimo, pode levar as pessoas a concluir que precisa mudar a emoção primeiro para agir e que talvez, uma alternativa prática seja agir para mudar a emoção, veja a estratégia de Spinoza conforme apontado por Damásio
Podemos constatar que para rompermos com os estados de ânimo indesejáveis, teremos que nos comportar para produzir efeitos (ou rupturas) no ambiente e em nosso organismo, aumentando nossas emoções positivas (efeitos reforçadores) ou mesmo agindo para promover a remoção de eventos aversivos (remover estímulos emocionalmente competentes que produzem emoções negativas).
Uma primeira conclusão acerca do que consideramos como determinação dos nossos estados de ânimo e vontade envolve, portanto, a relação verbal que aprendemos a estabelecer com nossa prática cultural, atribuindo aos estados emocionais status causal do comportamento e não como respostas emocionais, as quais envolvem a interação entre respondentes e operantes (DarwichI & Tourinho, 2005). Ou seja, não há gratuidade no sentir, pois ele invariavelmente envolve uma construção a partir da história da espécie, em que podemos apontar que as emoções servem como ferramentas de manutenção da vida e adaptação ao ambiente e também como um sinal que aprimora a troca de informações intra e entre espécies (CAMINHA, 2019). E no nível operante, as emoções são um meio de avaliar o ambiente e reagir adequadamente, as emoções indicam o valor recompensador e punitivo de algo, assim, aprendemos a categorizar uma situação como agradável ou desagradável (Damásio, 2004).
Uma segunda correção sobre o modo como as pessoas anseiam pelo arrebatamento dos estados emocionais classificados como desagradáveis envolve uma construção também verbal, extremamente prejudicial para a nossa cultura, nomeada aqui arbitrariamente como ilusão da estabilidade.
Normalmente, nossas práticas culturais envolvem discursos que buscam atribuir às emoções ou estados de ânimo e no nosso caso aqui em especial o “desânimo, preguiça ou falta de vontade” como iniciadoras de comportamentos (fazer ou não fazer algo), e de fato, somos extremamente suscetíveis ao que afeta nossos estados emocionais, somos vulneráveis e sensíveis demais, conforme aponta Russell (2017, p.136) “Muitos se impacientam ou se enfurecem diante do menor contratempo e, dessa forma, desperdiçam grande quantidade de energia que poderia ser empregada em algo mais útil.” Perdemos tempo demais quando somos emocionados, assim, desviamos de rota, e quando percebemos, já passou a hora de ir para a academia ou pedir desculpas para um amigo.
Percebemos que comportamentos envolvem sequências ou elos comportamentais, e contratempos durante um encadeamento comportamental como “ir à academia”, podem nos distrair e direcionar nosso comportamento para uma perda de tempo considerável, quando nos envolvemos excessivamente com pormenores (como não ter um tênis adequado para prática de atividade física ou ter que cortar o tomate, alface e pepino para a refeição, isso se torna uma árdua tarefa) ou mesmo nos lamentar por algo ocorrido (como um atraso de alguns minutos, porque o carro demorou a pegar na hora de sair para a academia ou o trânsito que estava irritantemente mais intenso no dia) justificando levianamente, o não emitir uma determinada resposta. Adeus academia, adeus alimentação saudável, viva ifood!
Muitas coisas são capazes de nos distrair e desviar-nos de emitir um comportamento, assim, somos seres apaixonados, numa linguagem spinozana muitas coisas podem afetar nossa potência de agir, aumentando ou diminuindo-a. (SPINOZA, 2019). Uma análise comportamental clínica realmente sensível à realidade das pessoas e do mundo envolve, portanto, a compreensão de que uma análise das nossas motivações, desânimos ou falta de vontade, considera prioritariamente eventos que não discriminamos, eventos muitas vezes aleatórios que poderiam mudar totalmente o rumo das coisas. (MLODINOW, 2009) Isso joga a estabilidade pelos ares!
Ainda sobre a ilusão da estabilidade, esperamos confiantemente que nossos estados de ânimo se mantenham inabalados, é como se quiséssemos que um mecanismo básico de evolução cessasse, qual seja – avaliar os nossos ambientes e sentir maior ou menor aversão, maior ou menor apetite – e considerar que iremos manter sempre uma disposição permanente, o que é de fato, uma ilusão.
Criamos uma aversão generalizada ao tédio, tristeza e desânimo, tão estranho que sofremos por não querer sofrer, ou adoecemos de tanto procurar uma condição de saúde perfeita (BRUCKNER, 2002). É tão utópico como não querer experimentar a sensação de fome após horas de jejum! Novamente, considera-se numa análise do comportamento, que os estados emocionais dependem do contexto e que se ignorarmos aquilo que nos afeta e apostarmos exclusivamente nos estados emocionais, certamente iremos falhar, pois “Se toda a nossa felicidade depende exclusivamente de nossas circunstâncias pessoais, o mais plausível é que estejamos pedindo à vida mais do que ela pode nos dar. E pedir demais é o método mais seguro de conseguir menos do que seria possível” (RUSSELL, p. 90, 2017). Nossas circunstancias pessoais é que precisam ser analisadas se quisermos compreender nosso desânimo ou preguiça para nos comportarmos na direção daquilo que ansiamos. Vamos pedir a vida o que ela pode nos dar, sejamos justos e humildes.
Por fim, uma explicação coerente do que chamamos de “desânimo, preguiça ou falta de vontade” como determinantes do nosso comportamento, envolveria na verdade, dois conceitos bem estabelecidos na análise do comportamento, a saber: magnitude da resposta ou no nível operante, custo de resposta e intensidade do estímulo. Vamos aos exemplos. Imagine que você precise fazer dieta, portanto, o custo de resposta envolve mudar a alimentação, ingerir menos alimentos calóricos (os mais apetitivos), manter rotina de atividade física, mudar horários de determinadas atividades na rotina, autocontrole em festas que tenham doces e outras guloseimas, reduzir o consumo de álcool, dentre outras medidas necessárias. Assim, o custo é extremamente alto! Haja controle para emitir essas respostas em médio e longo prazo e não ceder às tentações! Para uma magnitude de resposta tamanha, a intensidade do estímulos concorrentes precisa ser intensa, extremamente forte na determinação destas respostas de controle.
Por outro lado, a intensidade do estimulo implicaria em uma avaliação do que antecedeu essa resposta ou mesmo ocorreu após essa resposta (ir ou não ir à academia), por exemplo, ir sozinho ou ir após um amigo fazer um convite para irem juntos e ao chegar lá, se deparar com um instrutor legal, simpático e que domina técnicas de reforçamento ou outro, que seja punitivo, negligente e pouco aberto para interações, esses dois princípios (custo de resposta e intensidade do estimulo), certamente definirão o seu nível de ânimo para uma atividade. Conforme (Moreira e Medeiros, 2019) exemplificam através do reflexo patelar, nele:
Se atentarmos aos princípios e ao exemplo dos autores, consideraremos que muitas vezes o que precisamos não é de aumentarmos nosso ânimo, vontade ou diminuir nossa preguiça, mas sim uma martelada mais forte!
Referências
BRUCKNER, Pascal. A euforia perpétua: ensaio sobre o dever da felicidade. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.
CAMINHA, Renato Maiato. DARWIN PARA TERAPEUTAS: socialização, emoções, empatia e psicoterapia / Renato Maiato Caminha. – Novo Hamburgo: Sinopsys, 2019. 188 p.
DAMÁSIO, Antônio. Em busca de Espinoza: prazer e dor na ciência dos sentimentos. Adaptação para o português do Brasil Laura Teixeira Motta. – São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
DARWICH, Rosângela Araújo; TOURINHO, Emmanuel Zagury. Respostas emocionais à luz do modo causal de seleção por conseqüências. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo, v. 7, n. 1, p. 107-118, jun. 2005. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452005000100011&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 29 fev. 2024.
EKMAN, Paul. A linguagem das emoções: Revolucione sua comunicação e seus relacionamentos reconhecendo todas as expressões das pessoas ao redor. / tradução Carlos Szlak. — São Paulo: Lua de Papel, 2011.
GUILHARD, Hélio. Definição de comportamento. ITCR, Campinas, 2022.
KOHLENBER; Robert J.; TSAI, Mavis. Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. ESETec Editores Associados. Santo André, SP. 1991.
MLODINOW, Leonard. O andar do bêbado: como o a caso determina nossas vidas / Leonard Mlodinow; tradução Diego Alfaro; consultoria Samuel Jurkiewicz. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
RUSSEL, Bertrand. A conquista da felicidade. Tradução Luiz Guerra. Editora Nova Fronteira, 5ª ed. 2017. E-book Kindle
SPINOZA, Baruch. Ética. Blue Editora. 2019 E-book Kindle.
SKINNER, B. F. (1992). Verbal behavior Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. (Trabalho original publicado em 1957)
SINNER, B.F. SOBRE O. BEHAVIORISMO. Tradução de Maria da Penha Villalobos. Editora Pensamento-Cultrix Ltda, 2006.
Excelente!