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Por que você procurou terapia?

Os cuidados do psicoterapeuta e do cliente na condução do processo de terapia

Leandro Soares Scoralick, 2022.

Quem é o seu psicoterapeuta? Você sabe qual abordagem ele segue? Qual faculdade ele se formou? Qual a religião dele? Ele já usou drogas? Quais são as autoregras que ele desenvolveu ao longo da vida? Quais contingências modelaram o seu repertório? Ele é de fato um cientista do comportamento?

Esses questionamentos e mais uma enxurrada deles deveriam vir à tona, ao menos para o próprio psicólogo clínico, não menos para a pessoa que busca ajuda. Quando o psicólogo está prestando o seu serviço na clínica, ele naturalmente está sob controle do comportamento verbal e não verbal do seu cliente, ele deve estar naturalmente envolvido com a melhora da qualidade de vida da pessoa, mas ele também está sob controle da sua história de vida, da sua abordagem, de como foi a sua noite de sono, das dificuldades que ele também encontra na sua vida. Muitos profissionais podem se perder durante o atendimento exatamente porque não se observam ou não se observaram o suficiente.

Duas chamadas são importantes: “… muitas das dificuldades imputadas ao cliente normalmente podem ser esquivas do terapeuta em confrontar as suas próprias inadequações em sessão.” (Abreu & Abreu, p.124, 2020), nessa passagem, os autores apontam que a depender das dificuldades do terapeuta em manejar determinadas questões, o terapeuta pode interpretar equivocadamente como dificuldades comportamentais do cliente, a pessoa de fato enfrenta problemas, está em sofrimento, mas podemos piorar as coisas (quando não nos conhecemos e quando não conhecemos de fato abordagens científicas do comportamento humano).

A outra chamada é consequência da análise anterior, pois muitas vezes o tempo de terapia se excede quando na verdade, a pessoa já deveria ter sido encaminhada para outro terapeuta. (KOHLENBER, R.; TSAI, M, p. 7, 1991) Mais uma vez, as dificuldades de manejo do terapeuta, dificultam o processo, se estendendo para além do necessário.

Terapeutas muitas vezes acreditam que podem lidar com todo e qualquer problema, não discriminam suas habilidades, quem dirá suas dificuldades! Prometem o impossível! Cuidado com curas milagrosas, cuidado com psicoterapeutas que vendem o bem-estar e a certeza de uma vida livre de angústias e condições aversivas, Sponville (1997) já alertava que não há vacina contra esse perigo que é viver, terapeutas podem conduzir seus clientes facilmente para a crença de uma vida livre de condições aversivas pois existem profissionais e profissionais, e o objetivo deste texto é alertar tanto profissionais, quanto pessoas que procuram ajuda para os seus males.

Comecemos com o problema da confiança, como princípio para todo e qualquer processo de troca, de ajuda, de profissionalismo. Para isso, alguns profissionais podem lançar mão de promessas logo na primeira sessão, principalmente quando se sentem inseguros quanto à sua abordagem, principalmente quando navegam por mares que não o da ciência do comportamento. O questionamento de Montaigne vem bem a calhar:

“Por que os médicos procuram ganhar de antemão a confiança do paciente com tantas falsas promessas de cura, se não para que o efeito da imaginação supra a impostura de seu remédio?” (Montaigne, p. 134. 1533-1592).

A impostura do remédio (déficit em técnicas, repertório do terapeuta, análise, estudos, enfim) podem ser compensadas pelas palavras que amparam diante do sofrimento alheio e produzem nos nossos clientes imaginações – regras e ou autoregras de cura próxima e sem esforço. Nessa condição de buscar ajuda, o cliente se apresenta emocionado, experimentando emoções as mais diversas (medo, raiva, tristeza, culpa), assim, o terapeuta de “posse” de conhecimentos que “ajudariam” a pessoa, pode conseguir um grande adepto da sua terapêutica, pois as emoções tendem a acirrar os debates, inflando-os, principalmente quando conhecemos muito pouco do fato em questão (SAGAN, p. 118, 2006). Ou seja, o cliente “emocionado” conhecendo muito pouco ou supondo que conhece da sua psicologia, pode ser um prato cheio para o terapeuta controlá-lo, reitero que ele está nessa condição “emocionado”, aumentando mais as chances de controle do comportamento. Por mais que os psicoterapeutas tenham condições de auxiliar as pessoas em estado de vulnerabilidades a produzirem mudanças significativas nas suas, o contrário também é possível, a possibilidade de prejudicar também existe (KOHLENBERG, R.; TSAI, M, p. 210, 1991). Dois aspectos desse problema já foram abordados no texto, a saber: a imperícia do terapeuta pode incutir no cliente, dificuldades que são de fato do terapeuta e o segundo aspecto é a extensão da terapia para além do que seria “terapêutico”.  

Mas controle não é um problema na psicoterapia, inclusive é necessário por exemplo, quando o cliente emite tatos sobre os eventos que ocorreram com ele na vida, no dia, na semana ou seus eventos privados, ele está controlando a atenção do terapeuta, e por sua vez quando o terapeuta fala, ele está controlando a atenção do seu cliente. O ideal é que essa relação alcance o contrabalanço entre controle e contracontrole, pois este é um possível mecanismo pelos quais as relações podem evoluir para melhor. (BAUM, p. 230, 2006) Ignorar relações de controle e determinação do comportamento, é lidar com o comportamento num sentindo pré-científico, utópico, quase mágico.

O terapeuta tem um lugar muitas vezes privilegiado na comunidade verbal daquela pessoa. Imaginemos alguém que dispõe de poucos ouvintes que o reforçam quando ele fala sobre uma conquista, imagine a escassez de pessoas que nos ouvem e não nos punem quando falamos de algum erro ou fraqueza, quando nos mostramos vulneráveis! Não há intimidade no mundo real, ao menos se houver, raro. O terapeuta organiza muitas condições de reforço, nesse sentido ele tem poder. (BAUM, p. 232, 2006) O terapeuta maneja reforçadores e mesmo quando arbitrários, o ambiente terapêutico tende a ser diferente das experiências do cliente no mundo real, por mais que o cliente se comporte de forma análoga ao ambiente natural, o terapeuta ainda é um estímulo discriminativo que predominantemente, sinalizará reforço, simplesmente se o cliente emitir a resposta de falar. Isso dá muito controle ao terapeuta. Ele ouve quando ninguém ouve, ele ouve e não pune quando a pessoa diz que errou ou tem medo, ele ouve e ainda oferece ajuda! Que pacote reforçador!

Assim, o terapeuta e cliente iniciam a jornada de autoconhecimento, ao menos este deveria ser um dos objetivos primeiros da psicoterapia, mas também pode ser uma tragédia caso o terapeuta não esteja preparado para essa caminhada. Pois mesmo que houvesse uma realidade inequívoca na vida do nosso cliente seria pouco provável que o terapeuta estaria inequivocamente certo (KOHLENBERG, R.; TSAI, M, p. 193, 1991). Um erro seria que na busca por uma “realidade” na vida da pessoa, o terapeuta ignore a história de contingências adotando uma visão a-histórica e prestando atenção aos determinantes hipotéticos do interior do organismo, psicólogos pouco falam de história, muitos a ignoram (CHIESA, p. 114, 2006). Se desconhecemos a história de reforço da pessoa, não adianta em nada inventar causas quiméricas e mágicas para as origens dos problemas de comportamento (BAUM, p. 126, 2006). Alerta para o profissional: humildade, pois a clínica e o mundo real do cliente são permeados por variáveis (históricas e presentes que desconhecemos, melhor, nunca conheceremos).

Quando as pessoas veem a terapia, eles aprendem a assumir certas causalidades internas, mentalistas, não físicas para os seus pensamentos e essas explicações caminham com ele ao longo do processo de psicoterapia (ABREU & ABREU, p. 60, 2020), mas é tarefa do terapeuta discriminar junto com o cliente essas razões, identificando de fato as causas históricas e atuais do seu comportamento. O “erro” do cliente deve ser abordado cuidadosamente pelo terapeuta, pois o primeiro acha que dispõe de acesso privilegiado a suas intenções e motivações. Mas de fato não temos uma percepção clara do que nos leva a viver como vivemos. (GRAY, p. 95,  2018) Pode ser extremamente perturbador para o cliente identificar que seu comportamento de fato não é adequado e que parte daquilo que ele reclama, ele é o problema. Sagan (p. 52, 2006) aponta que perder a confiança nas nossas crenças é como um terremoto que abala o solo em que pisamos, estremecendo nossas crenças habituais que mesmo que nos causem sofrimento, aprendemos a confiar. O sol não gira em torno da terra deve ter sido terrível para os que pensavam e viviam suas vidas baseados nesta ideia.

Um terapeuta pode desconstruir regras do cliente com argumentações racionais e colocar outras, um tiro no pé, pois assim … “elas não derivam mais de experiências, mas são apenas uma resposta para agradar o terapeuta ou se conformar com as regras lógicas.” (KOHLENBERG, R.; TSAI, M, p. 135, 1991) Nesse sentido, o terapeuta pode considerar que o seu cliente está apresentando melhoras, porém, ele apenas está sob controle da relação terapêutica, o terapeuta pode não se dar conta que modelou o comportamento verbal do cliente para reforçar o próprio terapeuta. Assim, o psicólogo experimentará sentimentos de orgulho e satisfação, mas não ajudou o seu cliente de fato. A argumentação lógica, como nos casos de questionamento socrático, podem “convencer” o cliente que ele deve seguir o especificado na nova regra, o terapeuta assim, troca uma regra por outra, o que pode inclusive ser saudável para a pessoa, mas não o ensinou a discriminar as contingencias em operação, tal como os autores acima apontam, o terapeuta não auxiliou a pessoa a viver a experiência e chegar às suas próprias conclusões, isso é o primeiro passo para a dependência do cliente à terapia e a extensão do processo psicoterapêutico para além do necessário. Outro mal que a terapia pode causar: dependência.

Ensinar o cliente através de regras pode reforçar exatamente a regra que ele aprendeu na sua comunidade socioverbal “… clientes, aos quais é erroneamente dito que seus problemas são controlados por pensamentos precedentes e não por uma história de reforçamento, podem gastar muito tempo trabalhando em seus pensamentos e se excluindo de experienciar o mundo real”. (KOHLENBERG, R.; TSAI, M, p. 132, 1991) Nós terapeutas podemos incutir regras nos nossos clientes sobre como os seus pensamentos determinam o agir, os clientes por vezes dizem que pensam diferente, que “sabem” o que é certo, eles inclusive trazem isso em forma de tatos, intraverbais, enfim, eles sabem pensar “o que fazer”, mas isso não basta para a mudança. São as explicações não científicas das causas do comportamento. Isso gera consequências práticas prejudiciais na vida das pessoas. Por exemplo, um terapeuta que desconhece o operante verbal tato e mais, por ser operante, as possíveis relações funcionais envolvidas na descrição de um simples evento, pode tomar a descrição da pessoa como fato e não como um comportamento controlado por contingências de reforço. Skinner (1992) considera este um dos mais importantes operantes verbais, devido ao controle exercido pelo estimulo antecedente. Diria mais, por ser um operante verbal recorrente, talvez o mais presente na terapia.

Assim, uma pessoa ao longo do o processo psicoterapêutico, emite tatos sobre seu comportamento, sua história, seu ambiente social, seu mundo debaixo da pele, coisas que aconteceram distante no tempo, próximas ao dia da sessão, no dia da sessão, porém, muitas vezes essa “descrição” é contaminada pelas relações arbitrárias que o ambiente do cliente estabeleceu no decurso de toda a sua vida ou mesmo pela relação com o terapeuta. Ao falar do seu filho, por exemplo, o terapeuta deve considerar a investigação de qual função esse filho tem para esse cliente, qual seja um fardo, um presente de Deus, um castigo, um punidor, um reforçador, enfim, filho é só o tato verbal, precisamos identificar quem é o filho, ou seja, sua função.

Este erro comum do terapeuta também vem no pacote de repertórios dos clientes, que são as explicações simples e imediatas do senso comum, as quais são preferíveis exatamente porque é menos laborioso pensar os eventos como bolas de bilhar batendo umas nas outras do que como eventos históricos. (BAUM, p. 93, 2006) Mecânica é mais deglutível do que história e biologia. O esforço do terapeuta deve passar por resistir à forma comum de pensar as causas do comportamento. Por exemplo, quando se assumem eventos mentais, internos ou processos fisiológicos presumíveis como a causa do comportamento, o terapeuta está caminhando na naturalidade do pensar do senso comum. (TODOROV, J. C. & MOREIRA, M. B., 2009) Se nós terapeutas estamos de fato comprometidos com o nosso fazer, com ajudar pessoas em sofrimento, com a compreensão do comportamento humano em toda a sua complexidade “…devemos estar preparados para o caráter rigoroso do pensar que a ciência requer”. (SKINNER, p. 45. 2003) E mesmo que não estejamos pisando no terreno mais sólido quando se trata de comportamento humano, as ciências ainda são o melhor caminho para esse estudo, pois ela é uma tentativa em grande parte com bons resultados de compreender o mundo, de controlar e prever, ter autodomínio, de seguir um destino mais seguro (SAGAN, p.44, 2006).

O terapeuta pode ainda ao assumir uma postura simplista, se tornar um reprodutor de ficções, gerando clientes com repertórios de magia e superstições, afastando-o das verdadeiras causas do seu comportamento. “A ignorância daquilo que a ciência permite autoriza um delírio teórico que pensa mais em termos de ficção científica do que de ciência sem ficção” (ONFRAY, 2018, p. 383). Um terapeuta não cientista é um mal maior do que não fazer terapia. Existem terapeutas que divulgam trabalhos com Barra Access, que parecem que acessam 33 pontos na sua cabeça que têm a ver com prosperidade e vida financeira! Além de terapeutas multimodais (isso mesmo!) que contam com a ajuda de “Seres de Luz de MUITASSSS dimensões.” (TATTON, 2019, grifo do autor) Que texto legal este, vale a pena conferir! https://comportese.com/2019/06/21/terapeutas-multidimensionais-que-acessam-barras-quanticas-no-seu-cerebro-eles-existem.

Voltando para a história pessoal, quando o terapeuta vai buscar os determinantes do comportamento da pessoa, ele está numa condição de desvantagem, um comparativo com o cientista evolutivo vem a calhar para exemplificar o nosso problema

“Já que na maioria dos casos, não vivemos o suficiente para ver a evolução acontecer diante dos nossos olhos, retomaremos a metáfora do detetive que chega à cena do crime depois do evento e faz inferências.” (DAWKINS, p. 24, 2009).

Neste caso, o terapeuta que não tem acesso direto à história do cliente, “à cena do crime”, pode cometer o “crime” de analisar o comportamento em seu caráter estrutural, ou com as ferramentas do senso comum, levantando hipóteses como vontade, preguiça, personalidade, “fraqueza de espírito” ou considerar o comportamento fenotípico apenas. Essas explicações novamente são ensinadas numa comunidade socioverbal e tradições sérias das ciências do comportamento como a própria psicologia e psiquiatria acabam por adotá-las e transmitir essas ideias aos clientes. (ABREU & ABREU, p. 54, 2020) Essas explicações novamente enganam as pessoas, os ingênuos ou mesmo os terapeutas com conhecimento em abordagens cientificas do comportamento humano, com anos de formação. O terapeuta pode reproduzir a nossa cultura que prefere os relatos mais simples porque são mais acessíveis, as abordagens céticas são mais complexas e difíceis de ter contato e de entender, as abordagens céticas não são muito comerciais (SAGAN, p. 20, 2006).

Voltando ao problema do detetive que chega à cena do crime depois do ocorrido, Skinner reconhece essa limitação e advoga cuidadosamente por uma interpretação do comportamento e seus determinantes “Faltam as informações necessárias para uma análise funcional. Ainda que façamos confecturas plausíveis sobre as variáveis que atuam em cada caso, nunca poderemos estar seguros.” (SKINNER, p. 43. 2003, grifos do autor) Essa humildade experimental deve acompanhar o trabalho aplicado, pois nunca poderemos estar 100% seguros de nossas análises, mas podemos fazer suposições, hipóteses plausíveis e razoavelmente seguras sobre o histórico de reforçamento dos nossos clientes.

Skinner vai mais longe e admite “… e tempo virá em que será preciso admitir que não é possível resolver problemas importantes nos assuntos humanos com uma filosofia geral do comportamento humano.” (SKINNER, p. 45. 2003, grifos do autor) Novamente, ele admite a complexidade do comportamento humano, levantando a necessidade de outras ciências e filosofias para a compreensão do objeto de estudo do cientista do comportamento. Em consonância com a postura skinneriana, Chiesa (2006) vem depor na íntegra:

“Nenhuma ciência pode oferecer uma lista compreensível de relações causais para qualquer circunstância determinada, porque isso equivaleria a uma descrição derivada da maioria das ciências hoje praticadas, sendo, de fato, impossível dar uma explicação completa dos fenômenos que inclua todos os seus fatores contribuintes.” (CHIESA, p. 114. 2006).

Peguemos um exemplo simples da disposição dos adolescentes para o risco e a busca por novidades. Para além da história de reforçamento, consideremos fatores neurológicos. Em pesquisa citada por Sapolsky (2021, p. 163) evidenciou-se que adolescentes sentem ou melhor, experimentam prêmios maiores quando eles não são esperados, de forma mais positiva e acentuada, isso produziu maior atividade dopaminérgica, em contrapartida com prêmios aquém do esperado, que eles experimentavam até como repulsivos – isso em comparação com adultos. Esse dado mostra como adolescentes buscam reforçadores de alta magnitude e, por outro lado, experimentam as recompensas inesperadas menores como desprezíveis e até neutras. O psicólogo que ignora esse fato, pode considerar que simplesmente a história de reforço é responsável pela busca dos adolescentes a situações que os colocam de perto com o perigo, ignorando que eles buscam maiores riscos porque isso tem a ver com as projeções dopaminérgicas características desse período da vida. (SAPOLSKY, 2021).

Geralmente, as pessoas buscam a terapia com tatos sobre sentimentos, muitas vezes imprecisos, muitas vezes sem relacionar de fato às causas do sentir, mas toda terapia envolve o tema sentimentos e emoções.

Quais problemas ou erros o clínico pode cometer diante deste tema? Vários, o primeiro poderia ser o desconhecimento da biologia das emoções. Damásio (2004, p.48) aponta que conhecer a biologia das emoções e que o valor das mesmas depende das circunstâncias atuais (contexto presente), nos dá condições de uma compreensão moderna, atualizada do comportamento humano. Além do fator (contexto presente), precisamos considerar o valor evolutivo de uma determinada emoção, bem como a história de reforçamento da pessoa, principalmente como ela aprendeu a sentir e falar sobre o que sente. Consideremos, por exemplo a emoção medo, Caminha (2019, p. 99) aponta os 5F’s que essa emoção geralmente produz: freezing (congelar); flight (fugir); fight (lutar); fright (assustar-se) e por último o faint (desmaiar), sendo assim, ensinar às pessoas que procuram autoconhecimento, que existem mecanismos evolutivos que aumentam a probabilidade de determinadas respostas diante de estados emocionais a saber, por exemplo, que o medo gera os 5f’s, podem auxilia-las a discriminar melhor o contexto e estados emocionais, mais ainda, que há uma maior disposição para, por exemplo, você iniciar um diálogo que mais parece uma briga (fight) com sua esposa quando ela ameaça de deixar o casamento (fight). Ou mesmo você próprio ir embora (flight).

Mais uma vez podemos ignorar um aspecto intrínseco ao comportamento – a sua biologia, e é tentador muitas vezes lidar com o comportamento apenas com variáveis que podemos controlar, ignorar a evolução é negar o que de fundamental há em nós – o nosso organismo        “… os psicólogos que hoje ignoram a teoria da evolução correm o risco de ficar à margem da tendência atual do desenvolvimento científico.” (BAUM, p. 73, 2006). Os psicólogos que ignoram a biologia do organismo, a filogênese, tendem a atribuir causas estritamente ambientais ou até mesmo biológicas (sem conhecimento), quando na verdade, há de se considerar sempre a interação entre biologia e ambiente. Novamente quem pagará essa conta é o cliente.

Então o primeiro passo para o autoconhecimento é de fato discriminar quando nos emocionamos, nas palavras de Eckman (2011, p. 89) “A fim de que sejamos capazes de moderar nosso comportamento emocional, de escolher o que dizer ou fazer, temos de ser capazes de saber quando ficamos ou estamos ficando emocionados” (grifo nosso). Mais ainda, conhecer quais inclinações comportamentais determinadas emoções evocam em nós.

O terapeuta pode além de desprezar a biologia das emoções, atribuir a elas o caráter causal do comportamento, sendo assim, buscará mudar os sentimentos do cliente para só então, a pessoa mudar seu comportamento. Veja o que as neurociências nos apontam “… a experiência de dor ou do prazer não é a causa dos comportamentos de dor ou de prazer, e não é sequer necessária para que esses comportamentos ocorram.” (DAMÁSIO, 2011, P. 41) O autor aponta que sentir a dor ou prazer não causa os comportamentos relacionados a essas classes e nem sequer é necessário para que estes ocorram, ou seja, podemos nos comportar emitindo respostas que têm relação com sentimentos de dor e prazer (classes de respostas) e não necessariamente estarmos experimentando estes estados. Eu posso sorrir e estar triste!

E mais, o terapeuta deve estar atento a quais contextos o cliente aprendeu a discriminar e tatear sentimentos pois ele pode ao ignorar isso buscando junto com o seu cliente, o autoconhecimento deste último, ensiná-lo mais sobre como ele – terapeuta enxerga o mundo e menos sobre como a pessoa discrimina seu mundo interno e externo, pois “Dadas as condições sob as quais o tatear sentimentos é adquirido, qualquer emoção pode inadvertidamente ficar parcialmente sob controle público, resultando numa confusão ou má nomeação da experiência interna real.” (KOHLENBERG, R.; TSAI, M, p. 80, 1991). Ou seja, o tatear sentimentos do cliente pode ficar sob “controle público” do terapeuta, dificultando ainda mais a discriminação provavelmente já confusa de experiências internas da pessoa. O terapeuta pode ensinar o cliente a tratar sentimentos como causa, ou como algo a ser evitado, transformar medo em culpa, euforia em alegria, enfim.

Pensamentos assim como sentimentos podem erroneamente, adquirir na análise do terapeuta, status causal do comportamento, mas mesmo que estes sejam considerados eventos naturais e que afetem os comportamentos, eles nunca originam o comportamento em si (BAUM, p. 63, 2006).

Novamente, o terapeuta pode reforçar análises inadequadas do cliente com relação à determinação do comportamento, chamando a atenção do cliente para relações causais ou eventos que não são relevantes ou mesmo quiméricos, o que prejudicará diretamente o desenvolvimento de repertório de autoconhecimento e que deveria primeiro, ensinar o cliente respostas de auto-observação, conforme Del prette, Del prette (p. 55, 2017), a auto-observação é a condição indispensável para o autoconhecimento, pois primeiro devemos tatear nosso próprios comportamentos e sentimentos. Se chamarmos atenção das pessoas para aquilo que de fato não é causa, podemos ensiná-las a olhar a sombra como determinante de si mesma e não a imagem que determinou a sombra, ou melhor, a relação de um objeto bloqueando o caminho da luz.


Um alerta: O terapeuta tem que estar em vigia constante dos seus próprios sentimentos e comportamentos na clínica, a teoria dá base para os pensamentos do terapeuta enquanto hipóteses das causas do agir e sentir das pessoas!

REFERÊNCIAS

ABREU, Paulo Roberto. Ativação comportamental na depressão. / Paulo Roberto Abreu, Juliana Helena dos Santos Silvério Abreu. – 1. ed. – Barueri [SP]: Manole, 2020.

BAUM, William M. Compreender o behaviorismo: comportamento, cultura e evolução / William M. Baum; tradução Maria Teresa Araujo Silva… [et al.]. 2. ed. rev. e ampl. – Porto Alegre: Artmed, 2006.

CAMINHA, Renato Maiato. DARWIN PARA TERAPEUTAS: socialização, emoções, empatia e psicoterapia / Renato Maiato Caminha. – Novo Hamburgo: Sinopsys, 2019. 188 p.

CHIESA, Mecca. Behaviorismo radical: a filosofia e a ciência. Trad. Carlos Eduardo Cameschi. Brasília: Editora Celeiro, 2006.

COMTE-SPONVILLE, ANDRÉ. Bom dia, angústia! Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. – São Paulo: Martins Fontes, 1997.

DAMÁSIO, Antônio. Em busca de Espinoza: prazer e dor na ciência dos sentimentos. Adaptação para o português do Brasil Laura Teixeira Motta. – São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

DAWKINS, R. O maior espetáculo da Terra: as evidências da evolução. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

DEL PRETTE, Almir; DEL PRETTE, Zilda A.P. Competência Social e Habilidades Sociais; manual teórico e prático. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2017.

EKMAN, PAUL. A linguagem das emoções : Revolucione sua comunicação e seus relacionamentos reconhecendo todas as expressões das pessoas ao redor. / tradução Carlos Szlak. — São Paulo: Lua de Papel, 2011.

GRAY, JOHN. A alma da marionete: um breve ensaio sobre a liberdade humana / John Gray; tradução de Clóvis Marques. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2018.

KOHLENBER; Robert J.; TSAI, Mavis. Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. ESETec Editores Associados. Santo André, SP. 1991.

MONTAIGNE, Michel de, 1533-1592. Ensaios: Que filosofar é aprender a morrer e outros ensaios / Michel de Montaigne; tradução Julia de Rosa Simões. – Porto Alegre, RS: L&PM, 2017. 240 p.

ONFRAY, Michel. Cosmos: uma ontologia materialista. São Paulo: Martins Fontes, 2018.

SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro / Carl Sagan; tradução Rossaura Eichemberg. 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

SAPOLSKY, Robert M. Comporte-se: a biologia humana em nosso melhor e pior / Robert M. Sapolsky: tradução Giovane Salimenta, Vanessa Barbara – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

SKINNER, B. F. (1992). Verbal behavior Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall. (Trabalho original publicado em 1957)

Skinner, B. F. 1904-1990. Ciência e comportamento humano. Trad. João Carlos Todorov, Rodolfo Azzi. – 11ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Coleção Biblioteca Universal)

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Comentário

  1. Leitura sensacional, achei sensacional a perspectiva do terapeuta quanto a abordagem de cada paciente, cada atendimento, cada tratamento. O autoconhecimento é a chave de tudo, do começo ao fim.